AIDS e o tratado Lula-Ratzinger

Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 13/04/2009, p. 14.

Roberto Arriada Lorea
Juiz de Direito-Doutor em Antropologia Social (UFRGS)

A recente viagem do papa ao continente africano suscitou a indignação da comunidade internacional. Em um continente devastado pela epidemia da AIDS, Ratzinger orientou os fiéis a não utilizarem o preservativo. Sua atitude foi classificada como irresponsável pelo Ministério da Saúde da Alemanha.

Felizmente, no “maior país católico do mundo”, a política do Ministério da Saúde está centrada na prevenção da transmissão do HIV por meio do uso do preservativo. Nas últimas décadas, consolidou-se uma cultura orientada para o sexo seguro e prazeroso, sem discriminação quanto às distintas práticas sexuais. Sob o comando de diferentes governos, consolidaram-se políticas públicas cuja eficácia transformou o Programa Nacional de AIDS em referência internacional para a prevenção e tratamento da epidemia.

As políticas públicas baseadas no sexo seguro contrariam a orientação do papa, mas contam com a maciça aprovação dos católicos brasileiros. Segundo pesquisas de opinião realizadas pelo IBOPE, a maioria (97%) da população católica brasileira aprova o uso do preservativo. De resto, em sociedades democráticas não cabe ao Estado fomentar doutrinas religiosas, o que torna irrelevante o fato de o papa aprovar ou não o uso do preservativo.

Está cientificamente demonstrado que o preservativo é eficaz no combate ao HIV. Nesse contexto, torna-se louvável a iniciativa de disponibilizar preservativos nas escolas públicas brasileiras, visando conter a expansão da AIDS entre adolescentes, a exemplo do que já acontece na rede pública de ensino de outros países.

Contudo, no Congresso Nacional tramita uma ameaça de retrocesso que precisa ser rechaçada de forma contundente. Trata-se de um tratado internacional que, entre outras violações à laicidade do Estado, impõe a catequese de Ratzinger na escola pública, contrariando a Ciência e afrontando a cultura brasileira do sexo seguro. Conseqüentemente, por razões de saúde pública, deve ser rejeitada a Concordata. Caso contrário, o Ministério da Saúde abastecerá as escolas públicas com máquinas que disponibilizarão preservativos para estudantes religiosamente doutrinados a não utilizarem preservativos, conduzindo-os a práticas sexuais inseguras que os tornarão mais vulneráveis à contaminação pelo HIV.

Ativistas dizem que Papa está equivocado ao falar que preservativos agravam epidemia da Aids

Ratzinger, o Papa equivocado19/03/2009 – 13h45

Um dos dogmas da Igreja Católica prega que o Papa é infalível. Ou seja, que o pontífice nunca se engana. Alguns ativistas do movimento de luta contra a Aids no Brasil discordaram, na manhã desta quinta-feira (19/03), explicitamente desse preceito. Para eles, o Papa Bento XVI errou ao dizer que a camisinha agrava a epidemia provocada pelo vírus HIV. “A Aids é uma tragédia que não pode ser resolvida apenas com dinheiro, que não pode ser resolvida com a distribuição de preservativos, que inclusive agrava os problemas”, declarou o pontífice na última terça-feira (17/03), no início da sua viagem pela África, o continente mais afetado pela Aids (saiba mais). “É uma declaração bem equivocada”, avaliou Rodrigo de Souza Pinheiro, presidente do Fórum de ONG/Aids de São Paulo. Na opinião de Marco Aurélio Silva, integrante da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids (RNP+), o Papa, ex-cardeal Joseph Ratzinger, está “totalmente equivocado.”

Embora tenham manifestado indignação com as palavras do Papa Bento XVI, nem todos os ativistas do movimento de combate ao HIV se surpreenderam com a fala do pontífice. “É o posicionamento da Igreja Católica. Mais uma vez é um posicionamento equivocado”, disse Rodrigo de Souza Pinheiro. “A gente não podia esperar outra coisa deles”, acrescentou o presidente do Fórum Paulista de ONG/Aids.

“É um desserviço”, considera Marta McBritton, presidente do Instituto Cultural Barong. “Cientificamente não há dúvida sobre a eficácia do preservativo”, ponderou.< Para ela, a “terrível” declaração do Papa merece “uma reação imediata”. Marta disse que o momento pede uma manifestação de repúdio e chegou a sugerir um protesto na frente da Catedral da Sé de São Paulo. No ato, os ativistas iriam distribuir camisinhas.

“A gente vê com preocupação isso”, admite Marco Aurélio Silva, referindo-se à fala do Papa. Ele também entende que o Vaticano se afasta cada vez mais do cidadão comum. O ativista acredita que mesmo entre aqueles que se consideram católicos, há muita gente que não segue a orientação papal de não utilizar a camisinha em relações sexuais.

“O Papa está fazendo o papel dele em relação à doutrina pragmática da Igreja Católica. No Brasil, a fala dele não representou nenhum impacto, porque desde que surgiu a Aids sempre falamos abertamente sobre o uso de preservativos”, diz Sônia Correia, pesquisadora associada da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids. “Se fizermos uma pesquisa, vamos comprovar que o brasileiro considera absurda a posição do Papa”, continua Sônia. “Mas nos países em que não há um discurso aberto sobre uso da camisinha isso deve representar um impacto maior.”

Alessandra Nilo, ex-presidente da ONG Gestos (Soropositividade, Comunicação & Gênero) se diz preocupada com o que chama de falta de responsabilidade do Papa. “Fico pensando o que essa fala pode causar na vida das pessoas que não têm informações e são católicas dogmáticas como ele.”

Ela conta que na África há grupos organizando manifestações contra as declarações do Papa. “Ele está andando de costas para o progresso da ciência e para a própria sociedade. Hoje existem organizações cristãs que apoiam e incentivam o uso do preservativo.”

Alessandra chama a atenção para o fato de a declaração ter sido feita pelo Papa logo após a excomunhão dos médicos que fizeram o aborto da menina de nove anos, estuprada pelo padrasto e que ficou grávida de gêmeos no Brasil. “Isso mostra que a igreja fecha os olhos para a sociedade.”

Léo Nogueira

A camisa que o Papa veste

Saiu no Jornal da Tarde (SP), no domingo (29/03).

Maria Cristina Pimenta
DOUTORA EM SAÚDE COLETIVA E COORDENADORA GERAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA INTERDISCIPLINAR DE AIDS (ABIA)

A recente declaração do papa Bento XVI de que a promoção do uso e a distribuição de preservativos não contribuem para o controle da epidemia de HIV/aids, mas, sim, para o seu crescimento, não tem embasamento científico.

Existem inúmeros estudos no Brasil e no mundo sobre a eficácia dos preservativos na prevenção das doenças sexualmente transmitidas (DSTs), inclusive na Organização Mundial da Saúde (OMS) e no Programa das Nações Unidas (PNUD). Todos comprovam cientificamente que o uso do preservativo é o método mais eficaz para impedir a transmissão do vírus durante uma relação sexual, bem como demonstram os resultados positivos da aplicação de estratégias de prevenção que promovem o uso da camisinha.

Os estudos clínicos das “novas tecnologias preventivas” – como a vacina anti-HIV, os microbicidas e as terapias de profilaxia pré-exposição – ainda estão em andamento e não são conclusivos. Enquanto isso, o uso correto e consistente do preservativo permanece como método principal de prevenção da transmissão do HIV e de outras DSTs como, por exemplo, a sífilis e a hepatite B.

Os dados do Ministério da Saúde mostram que temos hoje aproximadamente 630 mil pessoas infectadas pelo HIV no País e que 200 mil estão em tratamento. Caso o Brasil não tivesse adotado uma política de prevenção e assistência integral que incluísse a promoção do uso e acesso gratuito ao preservativo durante as últimas décadas, teríamos hoje, de acordo com as estimativas realizadas por especialistas do Banco Mundial no início dos anos 90, duas vezes mais o número de infectados. A estimativa era de que no ano 2000 o Brasil tivesse aproximadamente 1 milhão e 200 mil pessoas infectadas.

Claro que a promoção do uso da camisinha não deve ser uma ação isolada, mas combinada com informação sobre formas de redução de risco de infecção, promoção à saúde, serviços de diagnóstico e tratamento e ações de combate ao estigma e à discriminação de pessoas que vivem com HIV e aids.

A camisinha sempre deve estar presente nas ações preventivas, já que sabemos que existem outras formas de transmissão do HIV, mas que a principal forma é a via sexual.

Assim, não podemos aceitar que em pleno século 21 ainda existam posições ideológicas e barreiras religiosas que dificultem e impeçam as políticas de saúde pública consistentes e com dados cientificamente comprovados, como o uso do preservativo. São essas posições que contribuem para o crescimento desenfreado da epidemia e para a morte de milhões de pessoas. É lamentável que a Igreja Católica não tenha evoluído com a historia e a ciência do povo a que pertence.

Foto de Ratzinger usada para estampar camisinhas

Do Estado de São Paulo, 25/3/2009

O Pontíficie rejeitou o uso da camisinha para combater a Aids em declarações dadas durante sua recente viagem à África

bento xvi

Em Paris, uma empresa fabricou preservativos cujas embalagens trazem impressa a imagem do papa Bento XVI e a frase “eu disse não!”. Os produtos foram confeccionados para criticar a postura do Pontífice de rejeitar o uso da camisinha para combater a Aids em declarações dadas durante sua recente viagem à África.

No último dia 17, em vista a Yaoundé, Bento XVI afirmou que a doença não pode ser combatida somente com dinheiro – apesar de ter destacado que os investimentos para lutar contra a Aids são necessários -, nem “com a distribuição de preservativos, que, ao contrário, aumentam o problema”.

Com Agências internacionais

A visita do Papa ao Brasil

O Observatório de Sexualidade e Política (SPW na siga em inglês) preparou um documento bem interessante sobre a última visita do Papa (Ratzinger) ao Brasil, em 2007.

“Em 2007, a visita do Papa ao Brasil mobilizou vários grupos que se opõem ao dogmatismo moral do Vaticano. Em apoio a esse movimento, o SPW, em parceria com o CLAM, produziu na ocasião pequenos artigos para evidenciar o amplo contexto sócio-político em que a visita do Papa aconteceu. Neste ano, mais um texto acaba de ser produzido, com uma nova análise dos efeitos da visita do Papa. Esta série de artigos resulta no Working Paper nº 5 do SPW.”

O Vaticano e o Sexo

Documentário da BBC de Londres veiculado pelo Domingo Espetacular, na Rede Record.

Já pediu sua excomunhão? Assista ao vídeo e se quiser fazer algo, entre nas seguintes páginas:

CCR – Comissão de Cidadania e Reprodução

Em Dia com a Cidadania